Teoria e prática no ensino de Design (pt.III)

Hugo Cristo
3 min readFeb 13, 2022

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Aviso: Este post está atrasado. As partes I e II foram publicadas nos recessos de 2019 para 2020 e 2020 para 2021. A parte III deveria ter sido publicada há mais tempo, mas mudanças de percurso na vida alteraram meus planos.

O terceiro texto desta série discutiria a condição dos usuários e de seus interlocutores no processo de design [social], relatado nos posts anteriores. Felizmente, enquanto organizava as ideias e recuperava os episódios históricos da minha formação para ilustrar o problema, Fred van Amstel e Rodrigo Gonzatto atacaram a questão por outros pontos de vista:

Naturalmente, os exemplos indicados não esgotam o tema, nem representam a densidade dos argumentos dos colegas. São discussões essenciais, especialmente do ponto de vista político, e seus desdobramentos práticos deveriam chegar às grades curriculares de todos os cursos de design. Gonzatto parece enfatizar UX, IHC e tecnologias computacionais, enquanto os exemplos de van Amstel são ligeiramente mais amplos. Não obstante, poderíamos apontar as mesmas dificuldades em qualquer área projetual — produto, gráfico, moda, jogos, serviços — e obviamente nas áreas irmãs do design como artes, engenharias e arquitetura. Disciplinas ofertadas para áreas afins, tais como publicidade e propaganda, jornalismo e administração seriam igualmente beneficiadas pelo debate.

“Usuarismo” e “usuariocentrismo” são rótulos interessantes para caracterizar, na minha experiência, as relações inequivocamente assimétricas entre projetistas e o resto do mundo, inclusive nos tais métodos mais recentes “centrados no ser humano”. A necessidade de adjetivar a prática de projeto com essas “centralidades” diz mais sobre o que não está no núcleo das preocupações de designers do que o inverso. Eu teria questionamentos a fazer aos colegas Fred e Rodrigo sobre a necessidade de situar as críticas nos níveis de análise adequados, sem prejudicar em nada meu endosso à argumentação deles. Eu escrevi sobre os mesmos problemas, orientado por outras perspectivas e compromissos teóricos, buscando a mesma ruptura.

Nas conversas com as minhas turmas sobre este tema, sempre menciono meu respeito pelos colegas publicitários. Não há falsas expectativas ou eufemismos na relação estabelecida entre a formação do publicitário e o mercado de consumo capitalista. As disciplinas de “comportamento (ou psicologia) do consumidor” não deixam dúvidas sobre o que está em jogo e qual é jogo. A falta de espaços curriculares semelhantes para definir para quem (ou com/contra quem) designers trabalham é mais um elemento relevador sobre as omissões políticas e até ontológicas da área.

Por fim, sou menos otimista do que o Fred em sua previsão: “a ideologia do usuariocentrismo está com os dias contados” (10/01/2022). O design foi, é, e continuará a ser uma das principais engrenagens do capitalismo. Cada movimento de fuga gera movimentos de captura: design centrado no usuário se transformou em um ótimo negócio de consultoria para o desenvolvimento de novos produtos; design thinking floresceu entre startups, capital de risco e bancos; design de serviços está na ponta da língua de executivos do alto escalão das multinacionais. Tudo centrado no usuário.

Posfácio: este post encerra uma era razoavelmente longa de meus escritos sobre design, iniciada em 2000. Após 22 anos pensando, escrevendo e falando de design, formalizei a migração dos meus interesses de ensino, pesquisa e extensão para as ciências cognitivas. E assim surgiu o Forma/Ufes, como relatei em 2021.

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